Corpos Mutantes

COUTO Edvaldo Souza (Org.); GOELLNER, Silvana Vilodre (Org.). Corpos mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais. 2. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

Resenha de artigos

Corpo cyborg e o dispositivo das novas tecnologias


                                                       Homero Luís Alves de Lima

“A atual aceleração tecnológica, impulsionada por desenvolvimentos científico-tecnológicos mais recentes em campos diversos, como a robótica, a inteligência artificial, a biônica, a bioengenharia molecular, a genômica, a biotecnologia e todo conjunto emergente das novas tecnologias da informação, tem propiciado cenários inusitados no que concerne às possibilidades de transformação tecnológica do corpo.” (Lima, 2009, p. 29)

Os avanços científico-tecnológicos têm revolucionado os tratamentos médicos e estéticos na atualidade, prolongando a vida e melhorando a qualidade de vida das pessoas, assim como, estabelecendo novos padrões estéticos.

A partir da fusão do biológico com o tecnológico, alteram-se as funções corporais do homem estabelecendo uma simbiose entre o corpo humano e as máquinas, produzindo um novo ser: o ciborgue. Diante dessa simbiose, torna-se cada vez mais difícil determinar a prevalência do físico ou da máquina nas atividades corporais.

A intensa integração entre componentes biológicos e tecnológicos suscita novos, embora inerentes, questionamentos metafísicos: o que é real? O que é natural? Essa integração também promove a articulação entre novas tecnologias com a ficção científica – que produzem efeitos no imaginário das pessoas pela busca do desempenho ideal – constituindo-se em estratégia discursiva para legitimar seu campo de saber-poder.

A leitura deste texto acende nossos questionamentos quantos aos limites da ciência e tecnologia em nossos corpos e amplia nossas reflexões quanto ao que é essencial para nossa saúde e o que é sugestão de uma nova ordem de consumo.



Uma estética para os corpos mutantes


                                                         Edvaldo Souza Couto

Este artigo discute a condição espetacular do corpo na sociedade contemporânea. Enfatiza que o culto ao corpo está intimamente vinculado ao desejo de modificá-lo. Ressalta que a modificação corporal é parte integrante do processo de mudanças que as chamadas novas tecnologias promovem na sociedade e nos sujeitos. Defende a idéia de que a carne se tornou, nas mãos de cirurgiões, cientistas e profissionais diversos a matéria destinada a contínuas remodelagens e conclui que no capitalismo avançado o corpo, refabricado, mutante, e socialmente considerado mais eficiente, tornou-se o principal objeto de consumo.

O autor enfatiza que a sociedade moderna estabelece novas configurações corporais, transformando o corpo em objeto de consumo. Vivemos a era das metamorfoses físicas e mentais aceleradas por meio das cirurgias, implantações e transplantações de próteses no humano.

A incidência das novas tecnologias e do capitalismo sobre corpo humano tem promovido uma nova cultura de culto ao corpo, um novo estilo de vida e novos padrões físicos e estéticos, ao mesmo tempo em que a ciência se empenha em prolongar e melhorar a qualidade de vida das pessoas. A junção da tecnologia, do capitalismo e da ciência resulta em um corpo espetáculo, mercantilizado e performático.

Essa parece ser a verdadeira revolução do presente: colonizar e modificar todo o corpo com as tecnologias médicas e cibernéticas. O resultado é a progressiva valorização das formas provisórias, da incompletude corporal. Estar sempre aberto a novas modificações passa a ser a condição para a promoção da beleza, da juventude e da longevidade perseguidas a todo custo. O artigo conclui que as pessoas que investem no culto ao corpo são socialmente aceitas, enquanto que as pessoas que não enquadram-se nesta ótica, são consideradas inadequadas. No entanto, o fator excludente mais preponderante, é o capital, já que a estética dos corpos mutantes não é acessível financeiramente a todos.


O Espetáculo do ringue: o esporte e a potencialização de eficientes corporais

                                   Claudio Ricardo Freitas Nunes e Silvana

Esse artigo trata da preparação dos atletas para as lutas de M.M.A. – no Brasil, popularizadas como vale-tudo. São abordados os aspectos da preparação física e psicológica dos atletas para atingir o máximo de desempenho nas lutas. Descreve a rotina nas academias dos atletas dedicados à intrínseca vontade de vencer e pelo refinamento da preparação técnica, potencializada pelos equipamentos e suplementos, com tecnologias cada vez mais avançadas. O texto aponta os caminhos pelos quais os atletas percorrem para maximizar suas potencialidades, podendo mesmo ir além de si próprios, no esforço pela superação, espetacularização e vitória nas lutas.

Determinados a construir uma nova identidade corporal, através da transformação e aquisição da força muscular, performance e vitórias, os atletas de lutas de vale tudo transformam seus corpos em objetos de investimento - corpos capitais –, movimentando em torno de si e das lutas, um novo mercado de produtos, serviços, publicidade para suplementos, equipamentos e lutas.

A busca pela forma e desempenho perfeitos, além da preparação física e utilização de aparelhos cada vez mais avançados tecnologicamente, faz com que os atletas enveredem por caminhos contra-indicados para preparação do corpo, submetendo-os à utilização de drogas anabolizantes que tendem a acarretar-lhes malefícios futuros, além de introduzi-los num mercado ilegal. No entanto, estes atletas estão determinados a vencer os obstáculos do momento, guardando para o futuro os possíveis prejuízos de um presente voltado para a superação dos limites do próprio corpo e enquadramento no ideal contemporâneo e esportivo do corpo.

 Corpos Amputados e Protetizados: “ Naturalizando” Novas formas de Habitar o Corpo na Contemporaneidade
                 
Luciana Loureano Paiva

O texto trata de uma pesquisa com pessoas que sofreram amputação de membros e sua reabilitação física, emocional e social. Em sua pesquisa, a autora constatou as dificuldades que as pessoas vítimas de amputação de membros sentem em expor suas “imperfeições”, sobretudo na sociedade atual, cuja valoração do corpo belo e perfeito são ressaltados.

Segundo Paiva, a amputação ocasiona a morte real de uma parte do corpo do indivíduo, como também, da morte simbólica de um estilo de vida, de uma forma de ser e de uma identidade. Os indivíduos vítimas de amputação passam por processos de aceitação de sua nova forma de ser e, a partir da aceitação da amputação, ocorre uma “naturalização” do corpo fabricado pela intervenção cirúrgica.

Os avanços tecnológicos oferecem possibilidades de reabilitação aos portadores de corpos incompletos – definição da autora, que retrata o sentimento dos amputados – para sua reintegração, permitindo que o indivíduo passe a ressignificar o corpo e torná-lo novamente seu, resgatando sua funcionalidade física e estética através das próteses externas.

Concluindo, o texto evidencia que as conquistas científicas e tecnológicas operam novas formas de ser e de viver aos corpos, dando-lhes outros sentidos, de movimento, de renovação, de reinvenção, produzindo continuamente mudanças para que o corpo permaneça habitável, fazendo com que o artificial passe a ser uma nova “natureza” corporal.


A performance do híbrido: corpo, deficiência e potencialização 
                                                       Varlei de Souza Novaes

Conforme esclarece o autor, esse texto tematiza corpos contemporâneos e algumas das redes de significações que a eles se acoplam, mais especificamente debruçados sobre os corpos dos atletas portadores de deficiência física que utilizam como prótese a cadeira de rodas e, assim, potencializam seus usos.
Observando os sentidos que historicamente foram atribuídos aos corpos com deficiência, cujos portadores sempre foram excluídos e considerados inferiores, destaca-se a tecnologia como possibilidade de reinvenção e enfrentamento das limitações, criando corpos híbridos a partir da relação entre corpo e tecnologia, que transgridem os limites dos corpos ineficientes.

Considerando que neste momento histórico e cultural, os indivíduos se enquadram em um tipo de identidade a partir dos significados atribuídos à aparência, ressalta que o atleta portador de deficiência, através dos aditivos, ressignifica seu corpo híbrido, investindo nas possibilidades e apropriações tecnológicas potencializados, conferindo a seus corpos marcas que funcionam como códigos identitários.

Concluindo, os corpos híbridos são marcados, ao mesmo tempo, pela deficiência, pela performance e pela tecnologia, e permitem aos portadores destas deficiências, sobretudo aos atletas, novas formas de viver, de enfrentamento e superação de seus limites, incluindo-os – mesmo tempo que considerados como “monstruosidades” – na sociedade contemporânea, através da prática esportiva e do desenvolvimento de habilidades nunca alcançados ou permitidos.




















3 comentários:

  1. Gostei muito do seu comentário. Este livro realmente chama a atenção da gente para o corpo da contemporanidade, é otimo para refetir também com nossos alunos.
    Abraços.
    Cristiane Araujo

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Obrigada Cris. Concordo que podemos estabelecer um link com nossa prática diária.Um abraço.

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